segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Fuga do político - Schmitt

Um povo politicamente existente não tem a liberdade, de modo algum, de se esquivar a esta diferenciação fatídica [entre amigo e inimigo] por meio de proclamações conjuratórias. Se uma parcela do povo declara não conhecer mais inimigo algum, ela se coloca, consequentemente e pela situação da questão, do lado dos inimigos e os ajuda; porém, com isso, não se suprime a distinção entre amigos e inimigos. Se os cidadãos de um determinado Estado afirmam sobre si que, pessoalmente, não possuem inimigos, isso não tem nada a ver com essa questão, pois uma pessoa em particular não tem inimigos políticos; com tais declarações, ela pode, no máximo, querer dizer que tenciona retirar-se da colectividade política, à qual pertence conforme a sua existência nela, e viver somente como um particular. Ademais, seria um erro crer que um povo em particular, mediante uma declaração de amizade a todo o mundo ou mediante o facto de que se vai desarmar voluntariamente, possa afastar a distinção entre amigos e inimigos. Dessa maneira não se despolitiza o mundo, nem se o coloca num estado de pura moralidade, pura juridicidade ou pura economia. Se um povo teme os incómodos e o risco de uma existência política, haverá, sem dúvida, um outro povo que lhe ajudará com esses incómodos ao assumir a sua "protecção contra inimigos externos" e, com isso, assume também o domínio político; assim, em virtude da eterna relação entre protecção e obediência, é o protector que determinará o inimigo.