“Todos aqueles que têm escrito sobre a origem dos governos falam de um estado do género humano anterior ao da sociedade, em que os homens, vivendo solitários e individualmente como os animais, satisfaziam, como podiam, as suas necessidades, sem relações ou comércio permanente com os outros indivíduos da sua espécie: e este estado a que dão o nome de selvagem, chamam o estado natural e primitivo do homem. Mas houve por ventura alguma época em que as coisas se passassem realmente desta maneira? Quanto mais profundamente reflectimos sobre a natureza do homem, sobre a sua organização, sobre as suas faculdades e até sobre os seus alimentos, tanto menos dispostos no sentimos a admitir esta extravagante hipótese.”
Gama e Castro segue exemplificando como a atracção dos sexos, a dependência do homem na infância e a alimentação do homem evidenciam que sempre viveu em sociedade. E depois continua:
“Quem ponderar reflectidamente todas estas circunstâncias – quem reflectir que o dom da palavra, atributo exclusivo da espécie humana, seria absolutamente sem objecto, na hipótese da dispersão dos indivíduos, assentará comigo que, por mais que a imaginação se atormente, nunca é possível ir dar na história do mundo com o momento da sociedade constituindo-se, mas sempre com a sociedade constituída.E esta observação é mais importante do que parece: porque, se se admite por verdadeira, tudo quanto se nos diz de pactos e convenções anteriores à formação das primeiras sociedades, é puramente imaginário. Tais pactos e convenções nunca tiveram lugar. As relações entre os diferentes membros da sociedade não se fizeram, apareceram já feitas”
José da Gama e Castro (1841), O Novo Príncipe, Secção 2.ª, Capítulo I. Adaptação da grafia.