Os partidos começaram por ser dominados por grandes personalidades, por notáveis que os dirigiam e que de certo modo os incarnavam, sobrepondo-se quase sempre às próprias ideologias. (...) Mas, a pouco e pouco, as formações partidárias foram apurando as suas construções ideológicas e os seus programas e o eleitor deixou de escolher um homem que o representasse para passar a escolher uma determinada política.
Esta transformação, que parecia ir ao encontro duma maior promoção do eleitor (...) passou a ser um factor de enfraquecimento das assembleias e um elemento de pulverização duma sociedade. Em primeiro lugar, baixou visivelmente a qualidade dos deputados, e compreende-se que assim tenha acontecido: as personalidades mais inteligentes e mais fortes têm dificuldade em se submeter à disciplina e à construção doutrinária do partido, que é, normalmente, um produto medíocre, ditado pelos seus quadros burocráticos. (...) Acontece ainda, como já tivemos ocasião de ver, que não só o cidadão normal, o eleitor comum, está quase sempre longe das ideologias e dos sistemas políticos, como, hoje, as próprias ideologias, quer pelo materialismo indiferente a qualquer forma de ideal que tomou conta das sociedades modernas, quer pelo seu próprio fracasso, perderam grande parte da sua capacidade de mobilização. Em que se transformaram então os partidos políticos? Os partidos políticos transformaram-se - e isto parece-me grave - em máquinas eleitorais, em aparelhos potentes lançados à conquista do poder, com vantagens para aqueles que “tecnicamente” estão melhor apetrechados sobre os que melhor poderiam realizar o bem comum.
As máquinas de “conquista do poder” são autênticas “máquinas de guerra” que, após cada campanha eleitoral - após cada “batalha” - deixam um país completamente ferido e retalhado, indefinidamente à procura da sua unidade perdida. As vantagens que uma certa competição poderia trazer ao progresso das instituições e da vida duma sociedade passam para último lugar, perante a preocupação prioritária da conquista do poder, e as oposições que ficam nos parlamentos depressa esquecem as suas funções de representação nacional, de vigilância do uso dos poderes em conformidade com as leis estabelecidas, de colaboração no poder legislativo para, segundo o seu objectivo, se transformarem nos mais poderosos elementos de obstrução da acção governativa do seu próprio país.
Como vê, não me parece que a representação nacional, através de formações pluripartidárias, possa contribuir para que as Assembleias sejam compostas por elementos qualificados, independentes, dedicados à coisa pública e integrados num processo de realização do bem comum, porque a realidade partidária, com todas as suas exigências próprias, se intromete constantemente entre os deputados e a Nação.
Marcello Caetano (1973), Conversas com Marcello Caetano, de António Alçada Baptista.